Entrevista | Samuel Antunes Teixeira

13:30



Dados os cumprimentos, hoje não vamos falar de séries, BDs ou coisa que o valha. Como também gosto de ler livros com conteúdo, permitam-me que fale de um que gostei bastante de ler.
O livro, de seu título "Polícias, Crimes e Criminosos" tem por tema as experiências vividas pelo autor, Samuel Antunes Teixeira, no percurso da sua carreira como inspector da Polícia Judiciária.
Esta perspectiva mais íntima de certos casos foi muito interessante, especialmente para pessoas como eu, que se interessem por este tipo de investigações criminais.

A Joana e eu tivemos a honra de o entrevistar e saber assim um bocadinho mais sobre o autor e acerca de certas experiências retratadas no livro. Fiquem com as respostas!



Caderno de Pensamentos - Como surgiu a ideia de escrever um livro com as suas memórias de carreira?
Samuel Antunes Teixeira – Pouco tempo antes de me reformar (Setembro de 2005) escrevi pequenos textos sobre casos relevantes da investigação criminal, abrangendo toda a minha carreira (entrei para a PJ em Janeiro de 1975). Foi na situação de reformado que ao rever esses textos me surgiu a ideia de escrever as minhas memórias. Tinha entrado para a PJ num período histórico de grandes mudanças político/sociais e acompanhado a sua evolução ao longo dos anos através dum olhar que não pode ser desassociado do ambiente que envolvia a investigação criminal. Pensei que a minha experiência de vida como agente/inspetor da PJ podia ser útil aos outros, até mesmo como memória futura.   

CDP -  Refere no início do livro que, para ingressar na Judiciária, teve que deixar o seu emprego numa tipografia. O que teria acontecido se não tivesse passado no Curso de Formação de Agentes Estagiários?
SAT -  Teria certamente de procurar outro emprego, mas não como tipógrafo. Estava decidido a mudar de profissão, embora fosse a única que conheci desde os 13 anos de idade.

CDP-  O Chefe Lobão é uma das pessoas mais citadas ao longo do livro, e quem o lê acaba por criar uma espécie de afeição a esse nome. Quais as melhores memórias que tem do Chefe Lobão?
SAT -  Dotado de um corpanzil que metia respeito e cara de poucos amigos, com a particularidade de nunca ter adotado hábitos urbanos, o Chefe Lobão era um homem profundamente humano. Não me recordo de alguma vez o ter visto a rir e raramente sorria, mas sofria com a miséria com que deparávamos no nosso dia-a-dia, que procurava suavizar dentro das suas possibilidades. Considerava os seus subordinados como a sua “segunda família” e preocupava-se com a vida privada de cada um de nós. Houve um ano que ele não foi passar o Natal à terra, Vinhais, e pediu-nos para que depois de passarmos a consoada com as nossas famílias o fôssemos visitar a sua casa. Éramos seis e nenhum de nós faltou. Quando nos viu chorou de emoção.

CDP - Qual o peso psicológico de um emprego como o que tinha na Judiciária?
SAT - Na investigação de homicídios deparava a cada passo com a tragédia humana. A crueldade e perversão dos autores de alguns crimes, principalmente quando as vítimas eram crianças, deixava-me angustiado. As imagens das vítimas no local do crime não me saíam da cabeça, apesar de saber que tinha de ter frieza suficiente para não me deixar envolver emocionalmente. Até por uma questão de sanidade mental. Em certos casos imaginava os autores como sendo verdadeiros monstros. Porém, quando eram detidos, ao travar conhecimento com eles ficava frustrado, porque muitos não passavam de uns desgraçados que até metiam dó.
Quando tinha dificuldade em encontrar elementos de prova que pudessem levar à descoberta do autor, só conseguia adormecer a altas horas da noite. Via e revia a envolvente do homicídio na tentativa de encontrar uma explicação lógica. Pensei muitas vezes que estava no caminho certo e quando julgava estar próximo da descoberta do crime constatava que estava errado. Voltava tudo à escaca zero. Ficava arrasado, mas reagia ainda com mais vontade, porque uma das minhas virtudes era, e ainda é, embora menos, ser teimoso. Nunca desistia.

CDP - Referiu no livro que o caso que mais o marcou ao longo da sua carreira foi um homicídio ocorrido no Montijo. Porquê?
SAT - Por ser um caso complexo de homicídio contra desconhecidos que me foi distribuído em início de carreira. Resumindo: em 1976 foi encontrado por caçadores, na herdade do Rio Frio, Montijo, o corpo dum homem em início de putrefação, desfigurado com um tiro de caçadeira no rosto, mas cuja morte resultou duma forte pancada na nuca. Não tinha qualquer documento de identificação. Junto do corpo encontrava-se um chapéu de aba larga muito usado, de cor castanha, que tinha uma etiqueta sumida, onde se conseguiu ler o nome de uma loja situada no Redondo, Alentejo. Depois de várias diligências na zona do crime deslocámo-nos ao Redondo e constatámos que ainda existia a loja onde, há mais de trinta anos, tinha sido comprado o chapéu. Colocámos o vestuário da vítima (lavado e desinfetado) no chão, à porta da loja e pedimos a alguns residentes que tentassem a identificação da vítima através da roupa. Tivemos a sorte de uma senhora fazer essa identificação, que depois foi confirmada por outras pessoas, incluindo familiares da vítima. Foi na verdade muita sorte porque se tratava de um maltês que já não ia ao Redondo, a sua terra natal, há mais de 20 anos e que naquele ano, pouco tempo antes de ter sido assassinado, tinha lá ido na altura das festas vestido com a mesma roupa. Para se provar de que se tratava realmente daquela pessoa, conseguimos, pela primeira vez, que nos fosse cedido pelo Arquivo de Identificação uma fita (bobine) que continha o microfilme do pedido de bilhete de identidade da vítima com as suas impressões digitais. Um funcionário do arquivo acompanhou-me com a bobine ao Laboratório de Polícia Científica, onde o microfilme foi ampliado e fotografado por um potente microscópio, de modo a ser possível fazer a marcação dos pontos digitais. Os médicos do Instituto de Medicina Legal conseguiram tirar as impressões digitais ao cadáver que foram comparadas com as do microfilme. Estava feita a prova. Daí até chegarmos aos dois autores do crime foi relativamente fácil. Foram ambos condenados a mais de 20 anos de prisão.
Mas o motivo principal porque considero este caso o que mais me marcou, foi tê-lo investigado exclusivamente com o Chefe Lobão durante vários meses, em que aprendi muito sobre investigação criminal, principalmente o modo de abordar as pessoas criando as empatias necessárias à formulação da prova, a que os mais antigos chamavam “método”.

CDP - Dada a convivência com estes casos mais complicados, teve alguma mudança na forma como olha para o ser humano?
SAT - Sim. Passei a ser mais tolerante e solidário. No meio da miséria humana conheci pessoas simples com muito valor, que ajudavam os outros sem estarem à espera de compensações materiais ou espirituais. Por isso, apesar de tudo o que vi e conheci, acredito no ser humano.

CDP - Se soubesse os custos que esta profissão teria na sua vida, tê-la-ia seguido na mesma?
SAT - Sem dúvida. Os custos foram largamente compensados pela natureza gratificante desta atividade. Na investigação criminal existe uma aliança entre a responsabilidade e a liberdade de ação, que se baseia na confiança entre as chefias e os operacionais. É uma profissão onde não existem rotinas, porque cada caso é um caso. Além do mais há uma grande variedade de situações em que o fator humano é fundamental. Quem passou pela PJ ficou marcado pela investigação criminal e pelo ambiente envolvente.   

CDP - Criou grandes amizades ao longo da sua carreira?
SAT - A investigação criminal é uma atividade essencialmente de equipa, onde se fazem amizades para a vida. Passávamos diariamente muitas horas na companhia uns dos outros, desabafávamos os nossos problemas e conhecíamos as famílias, com quem acabávamos por criar amizade. Para além disso, as situações perigosas em que nos víamos envolvidos exigia uma parceria a toda a prova.

CDP - Agora que está reformado, do que sente mais falta no que toca à sua antiga profissão?
SAT - O convívio diário e a extraordinária sensação de quando se obtém a prova da autoria de um homicídio.

CDP - Por fim, o que recomenda a alguém que queira seguir uma carreira na Polícia Judiciária?
SAT - Recomendo que não olhem para os outros com sobranceria. Mesmo os criminosos devem ser respeitados. Um polícia de investigação criminal é uma pessoa como outra qualquer. O exercício da profissão não lhe concede qualidades especiais.


Para que esta entrevista fosse possível foi necessária a ajuda dos nossos parceiros da Chiado Editora, a quem desde já agradecemos pela prontidão a colaborar connosco e pela amabilidade com que nos tratam desde o primeiro dia de parceria.
Estendemos os nossos agradecimentos também ao Sr. Samuel Antunes Teixeira, que tão prestável e colaborante se mostrou para nos ajudar a tornar possível este post, do qual tanto nos orgulhamos!
Obrigado por lerem, e fiquem com as linkagens todas!




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5 comentários

  1. Entrevista muito interessante, sem duvida.

    Keep on the good work :)

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  2. Gostei bastante da entrevista e fiquei curiosa em relação ao livro!

    r: É um sonho antigo. Sempre quis ter o meu próprio infantário, com uma parte de instituição para ajudar crianças desfavorecidas

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  3. Adorei e fiquei realmente curiosa com o livro (:

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  4. A entrevista foi muito interessante, não conhecia o livro mas fiquei super curioso para ler :)

    http://ummarderecordacoes.blogs.sapo.pt/

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