Li e amei #
01:59
Decidi ler este livro não pelo título ou pelo prefácio, como muitas vezes faço com outras obras. Decidi lê-lo porque contava a história de uma amiga minha, de quem gosto muito, chamada Mêlina Domingues. Conheci-a como Mêlina Mira, mas entretanto casou com o Paulo Domingues e, se já era notório o quanto tudo os unia, ficou ainda com mais sentido quando até o sobrenome era o mesmo. Nem podia ser de outra maneira. Foi, aliás, ele mesmo quem escreveu o prefácio, coisa que eu achei maravilhosa e digna de ter em conta, porque, de facto, ele trata-a precisamente como ela merece. Tal e qual uma rainha.
Gosto muito da Mêlina, sempre gostei, desde o primeiro contacto. Não temos a mesma idade nem tão pouco somos de idades aproximadas. Ela tem cerca de 7 ou 8 anos a mais que eu, já é casada, tem duas filhas e, pelos vistos, muita coisa para contar. Eu não sabia disso, porque quem a conhece retém o constante sorriso que sempre está no rosto dela. Sempre, mesmo.
A qualquer lado onde eu vá cantar, lá está a Mêlina. Antigamente era só ela, agora é ela e o Paulo, que é um querido e acompanha-a sempre, bem como faz questão de deixar sempre um comentário simpático à minha actuação. Parece que foram feitos um para o outro, e desconfio que foram mesmo. Fiquei, aliás, super feliz quando soube que tinham casado e que a Mêlina estava finalmente numa onda de paz e sossego.
Sempre soube que ela era diabética, especialmente porque quando saíamos à noite e ela levava o carro, havia sempre pacotes de açúcar por todo o lado. Nunca soube bem como era exactamente a doença, apenas que dava muita sede, requeria alguns cuidados, havia aquela picadinha no dedo...bom, mas isso é agora. Depois, li o livro.
Quando vi o título "O Céu Tem um Doce", tentei decifrar o que queria dizer e juro que o que me passou pela cabeça foi que fosse algum tipo de metáfora alusiva ao facto de, devido à diabetes, ela não poder comer doces e, no ver dela, a ideia de paraíso e de uma coisa boa fosse essa. Não sei, vendo bem até parece estúpido, mas fez algum sentido na minha cabeça. Dei voltas e voltas ao meu resquício de inteligência para tentar perceber por que raio o título era aquele.
Estava cheia de curiosidade para lê-lo, confesso. Não só por esta questão do título, mas também porque não sabia o que a Mêlina teria para contar assim de tão notório que até desse um livro. E fiquei interessada em saber mais sobre ela, já que o pouco que sabia era apenas do momento em que a conheci para a frente. Estranho chamar-lhe amiga e saber tão pouco sobre ela, mas a verdade é que olho mesmo para ela como isso mesmo, uma amiga. Lembro-me de algumas conversas que tivemos, sobre coisas minhas, sobre coisas dela, e um pormenor que me ficou retido na memória e ao qual dei imenso valor foi o facto de ela realmente escutar os meus conselhos. Há muita gente que, por ser mais velha que eu e me ver como uma miúda, ignora o que digo. Mesmo que o meu conselho faça todo o sentido do mundo, no seu íntimo pensam que ainda há pouco deixei de brincar com Barbies e que nada sei da vida para opinar.
Mas ela não. Ouviu-me com atenção e, à medida que ia acenando com a cabeça em sinal de que me estava a entender, ia fazendo perguntas. "Então mas o que me aconselhas?", "O que achas que devo fazer?", "Mas aconteceu isto, o que achas que significa?", foram questões que me colocou e às quais tive todo o gosto em responder, quando a minha opinião me foi por ela solicitada relativamente a assuntos da vida pessoal dela. Achei isso fabuloso e senti nesse momento que estava perante uma pessoa digna, com coração e respeito pelos outros.
E depois havia (e há) o pormenor de ela estar sempre lá. Vá eu cantar na nossa terra ou na cochinchina, lá está a Mêlina (e o Paulo!) na plateia. Há sempre fotos que a Mêlina me tirou, sempre vídeos meus que a Mêlina gravou e, mesmo quando nem fiz publicidade ao concerto, ela aparece. Simplesmente está sempre lá. E, se o carinho dela está sempre presente, se o apoio é tão afincado e notório, que mais seria de esperar da minha parte senão o mesmo carinho e apoio agora que a obra e o feito são dela?
Então comprei o livro e li-o de uma ponta à outra numa só tarde.
Foi com surpresa que descobri que a Mêlina nasceu e morou na Alemanha. Não fazia a mais pálida ideia porque, lá está, só a conheci há poucos anos. Nem sabia que ela tocava piano (porque, se soubesse, já a tinha desafiado), mas toca. E dei por mim a sorrir quando ela contou pormenores da infância dela com a mãe e a loja de artesanato do avô, porque o cheirinho da loja da mãe dela e os bonequinhos artesanais que o avô dela fazia são duas memórias muito vincadas da minha própria infância. Lembro-me de, muitas vezes, entrar na loja da mãe dela sem dinheiro ou real intenção de comprar fosse o que fosse. Ia lá pura e simplesmente porque não havia mais sítio nenhum com aquele cheiro, que ainda hoje não sei precisar como era, mas que identificarei facilmente se o voltar a sentir. Ficava lá, dava voltas nos corredores, inspirava aquele cheirinho delicioso e depois ia outra vez para casa.
E lembro-me tão bem da loja de artesanato do avô dela, com barquinhos e casas típicas da nossa terra, e bonecos de madeira que "serravam" madeira, sempre a mexer de um lado para o outro! Adorava aquela montra e não havia dia que não parasse lá, ainda que para ver sempre as mesmas coisas, nos passeios que às vezes fazia com o meu pai.
Foi delicioso ler estas passagens, mas rapidamente senti os meus músculos contraídos quando comecei a ler as descrições detalhadas do que a Mêlina passou por ter que injectar-se com insulina. As lágrimas nos meus olhos teimavam em cair e eu segurava-as, porque quando começo a chorar é um castigo até parar com isso. Não tinha noção do quão grandes as agulhas eram naquela altura, porque só conheço a realidade daqueles objectos em que se carrega num botão e para fazer uma picadinha de nada no dedo. É demais para uma criança como ela era.
Descobri também que a Mêlina perdeu uma bebé quando ainda a tinha na barriga e fiquei em choque com isso. Primeiro, porque não fazia ideia. Nenhuma mesmo. Segundo, por ler o quão frio e monstruoso foi o médico que lhe deu a notícia. Alguém que me explique COMO é que é suposto aguentarmo-nos e não esmurrar um médico que, numa situação aflitiva como aquela, nos grita "Mas você ainda não percebeu que não está nada bem?! A sua filha está morta, acha que está tudo bem?!" e que depois nos manda parar de chorar e guardar essa energia para o parto que iria ser provocado. Quando li isto, senti nojo do médico que o fez, mesmo sem saber quem era. Não é por ter sido especificamente com a Mêlina, mas sim pela insensibilidade de alguém que devia estar ali para nos ajudar, que claramente passou nos exames da faculdade mas não foi sequer aos treinos dos exames da vida, do bom senso, do respeito. E o pior é que há montes de gente assim. Montes.
Se já gostava da Mêlina, passei a gostar ainda mais. Se já a admirava e a achava corajosa, essa admiração só aumentou a cada parágrafo. Ela, querida como sempre, fez questão de me deixar um miminho no livro, e tenho a certeza que esse beijinho veio cheio de ternura como é tão característico dela. Sei que é uma mulher forte e fantástica, um ser humano carinhoso e mimalho, cheio de amor para dar e que só merece muito amor em troca. Da minha parte, tem sem dúvida a mais sincera admiração e uma amizade profunda que sei que ela é digna de receber.
Por mim, obrigada Mêlina, por teres partilhado a tua história com o Mundo em geral, e comigo em particular. Um beijo do tamanho da Galáxia.
2 comentários
Obrigada princesa.
ResponderEliminarBeijo enorme :)
Também gosto muito de ti!
ResponderEliminarAgora estou lamechas, obrigada pelas tuas palavras também aqui.
Bjoka boa...como tu!
Obrigada pelo teu comentário!